quinta-feira, 28 de maio de 2015

Efeito placebo, método científico e o poder regenerador do imaginário


No dia 17 de maio, o Jornal A Folha de São Paulo publicou o artigo O efeito placebo e a pseudomedicina. O artigo, do meu ponto de vista, tem uma dimensão positiva, ao nos alertar para os riscos das pseudo-medicinas, mas tem uma negativa que é a de generalizar a questão, desconsiderando as pesquisas sérias sobre as terapias complementares integrativas.
Em nenhum momento o artigo aborda as verdadeiras pseudo-medicinas que se escondem atrás de rótulos como "medicina quântica", "saúde quântica" ou "cura quântica", entre outros. Estas pseudo-medicinas partem de um pressuposto equivocado, fruto de uma interpretação errônea, seja por má-fé ou por ignorância. Elas acreditam que o fato de alguém olhar para um elétron faz com que ele mude o seu comportamento de onda para partícula.
Qualquer estudante minimamente informado do ensino médio, sabe que esse argumento carece de cientificidade. Não é possível se medir a olho nu uma partícula atômica. São necessários enormes aceleradores de partículas. Em suma, é o instrumento utilizado para fazer a medição que interage com o elétron fazendo com que o mesmo mude seu comportamento.
Porém, o fato desse pressuposto básico ser totalmente inconsistente, de forma que é um erro legitimar as práticas integrativas e complementares por esse viés pseudo-científico ou "quântico", isso não significa que várias das práticas integrativas e complementares não tenham valor, iniciando pelo uso da água mineral para fins de tratamento e também de manutenção da saúde.
O articulista, ao criticar o uso de águas minerais, ignora que desde a Antiguidade existe o uso terapêutico da águas, inicialmente pelas qualidades físicas e, a partir do Renascimento, a partir do estudo da reação química de diferentes tipos de água no organismo. E ninguém, em sã consciência, recomendará o consumo da água do rio Tietê in natura enquanto não houver evidências científicas que ela não faz mal para a saúde. O bom senso já nos indica que a qualidade da água tem influência na qualidade da saúde de quem a bebe ou a usa para banhos, independentemente da evidência científica.
E por falar em evidência científica, o articulista afirma que a medicina se baseia no método científico. Mas sabemos, há mais de cem anos, que o método científico utilizado para se estudar o mundo macroscópico não é suficiente para estudar o mundo que está além da velocidade da luz e tampouco o mundo das sub-partículas atômicas. Neste, por exemplo, o rigor objetivista do newtonismo é impossível de ser colocado em prática e é necessário levar em consideração a interferência da observação, com os seus instrumentos, no fenômeno a ser observado. O mesmo princípio é válido para a medicina. Assim, aquilo que o articulista chama de "pseudo-medicina" e que não aceita a lógica científica, talvez apenas necessite ser estudada por um método científico mais adequado. Se esse axioma for colocado em prática, a probabilidade das evidências empíricas, que já são muitas, poderão se multiplicar.
Mas o meu objetivo não é defender a homeopatia, a acupuntura ou outra prática terapêutica não-biomédica. Quero apenas demonstrar que a estrutura racionalizante proposta no artigo é muito mais subjetiva do que objetiva. E que, ao invés de antagonismo entre a" verdadeira medicina" e a "pseudo-medicina", carecemos mesmo é de um método que trabalhe com as dimensões humanas que se encontram para além de nossa estrutura fisiológica, valorizando de forma positiva o chamado "efeito placebo" e, conseqüentemente, a importância do imaginário na manutenção e também na recuperação da saúde.
Por ignorar a complexidade humana, o autor do artigo vai concentrar sua energia em atacar os pressupostos da homeopatia, afirmando que eles "contrariam mais ou menos tudo o que sabemos de fisiologia e de química" e que ela não passa de "placebo".  A homeopatia, realmente, contraria a fisiologia cartesiana que considera apenas o corpo físico, ignorando, mais por crença do que por evidência, a existência de outros campos energéticos no ser humano e nos demais corpos orgânicos (animais e plantas) e também nos inorgânicos (minerais).
E é justamente a existência desses campos sutis de energia que são ativados através do "efeito placebo" quando a pessoa acredita que vai melhorar ao tomar um remédio homeopático, fitoterápico ou alopático. Ao invés de ver o fenômeno como algo negativo, um cientista atento daria valor ao poder da imaginação sobre a fisiologia humana, rompendo com o paradigma cartesiano que não considera a inter-relação corpo/mente e não é capaz de compreender que muitas enfermidades são psicossomáticas, ou seja, produzidas pela ação do pensamento e das emoções. Ao se compreender esse fato, recursivamente se compreende que o tratamento também pode ser psicossomático, sem depender de nenhum elemento exterior. E isso inclui os remédios que o articulista defende, utilizados pela "medicina verdadeira".
Dentro dessa perspectiva, o "efeito placebo" pode ser a regra e não a exceção, ou seja, quem garante que os remédios alopáticos não funcionam devido ao efeito placebo? Quem pode nos garantir que por mais que o principio ativo de um remédio provoque determinadas reações no corpo de um rato, ao se fazer a mesma experiência com humanos, a "psicosfera" daquela pessoa não será capaz de anular aquela reação? Enfim, diariamente tomamos consciência de pessoas que são facilmente hipnotizadas e fazem tratamento de canal nos dentes ou fazem cirurgias em seu corpo sem precisar de anestesias. E o contrário também. Ou seja, há pessoas que tomam doses cavalares de anestésicos e seus corpos não ficam sensibilizados. Que poder humano é esse que anula o principio ativo de um remédio ou potencializa um "placebo"?
Se atentarmos a esse fato, poderíamos tratar com mais atenção o poder da mente e da imaginação criativa na origem de muitas enfermidades e, o mais importante, na recuperação da saúde. O articulista parece não dar o valor necessário a sua própria frase: "a simples expectativa de cura já provoca uma tempestade de reações fisiológicas reais". Esse fato, empiricamente comprovado, mereceria mais atenção por parte de todos que realmente se interessam pela saúde, sem interesses comerciais.
Infelizmente, a obsessão pelo "método científico" cartesiano parece não ajudar o articulista a perceber a contradição de seus argumentos quando propõe que a resolução do problema é feito submetendo uma parte dos pacientes "ao tratamento que você quer testar e a outra -o grupo-controle- a um placebo." Esse método, por mais que seja considerado científico, não anula o "efeito placebo", ou melhor, a interferência psíquica do sujeito que é o objeto da pesquisa.
Em suma, ao mesmo tempo que há a expectativa com a cura usando um placebo, pode haver a descrença com a cura usando ou não um placebo e até mesmo um determinado medicamento. Nesse sentido, o que para o autor do artigo é o "mais duro golpe" sofrido pela homeopatia, pode não ter passado de mais um discurso subjetivo de alguém disposto a atacar uma prática terapêutica com a qual não tenha simpatia. A pesquisa de 2005, citada pelo autor, levou em consideração se as pessoas atendidas pela homeopatia acreditavam em sua eficácia? E qual o percentual de céticos em relação à homeopatia participaram da pesquisa?
É muito fácil fazer uma crítica a uma prática terapêutica com a qual não concordamos. O discurso da ciência, por mais racionalizante que seja, é sempre subjetivo. Um estudo que demonstra empiricamente esse fato, usando um "ideologema" caro ao autor do artigo em análise, é o livro "Um fazer persuasivo", de Maria José Coracini. Dentro dessa perspectiva de uma ciência sem consciência, não é de se estranhar que "profissionais mais céticos começaram a produzir estudos de melhor qualidade, que não apresentavam resultados tão positivos." Até que ponto o interesse em apontar a ineficiência da prática não influenciou nos resultados?
Além disso, quando se trabalha com terapias que utilizam a energia humana, ainda não quantificada ou medida, mas que é possível sentir e qualificar sua existência através de reações fisiológicas como arrepios, lacrimejamento e outros, temos aqui o mesmo problema apontado acima com a experiência da dupla fenda que demonstra que o instrumento usado para medir o elétron interage com o mesmo e altera a medida, no caso, o comportamento do objeto estudado. Nas pesquisas sobre práticas bioenergéticas realizadas com a imposição das mãos, algo similar acontece, pois quando alguém se aproxima de outra e impõe as mãos, não importa se ela tem formação em reiki ou em outra técnica similar, uma troca de energias começa a se processar e isso vai alterar o resultado da medida. Assim, para estas pesquisas, o efeito placebo e a técnica do duplo cego não são suficientes para se fazer medidas objetivas, pois não levam em conta essa interferência.
Mas o importante aqui não é alimentar falsas dicotomias como, por exemplo, a homeopatia é errada e a alopatia é certa, ou vice-versa. A questão é que o poder da imaginação humana tem sido negligenciado e ela é um importante instrumento para manter a homeostase do "sistema humano", integrando em uma unidade o biofísico e o psíquico. Mas concordo com o articulista que é preciso alertar contra a pseudo-medicina, e esta não é a homeopatia, a acupuntura ou mesmo a água mineral. A pseudo-medicina é aquela que procura legitimar algumas práticas terapêuticas com base em interpretações místicas de uma disciplina cientifica séria como a física quântica. Mas esta é importante para nos alertar que o método usado para estudar alguns fenômenos pode não ser suficiente para se estudar outros.

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